A primeira vez que ouvi falar de Mork Borg, há uns bons atrás, veio acompanhado da frase “não é bem um jogo, é mais uma peça de arte”, e nos anos seguintes ouvi novamente essa afirmação sendo repetida diversas vezes. De fato, Mork Borg chama atenção acima de tudo pelo visual agressivo, cores vibrantes e um layout interno um tanto quanto ousado.
Assim, o jogo enquanto jogo nunca tinha me chamado para a leitura, até que experimentei o sistema na incrível mesa aberta Southborg do mestre Bernardo Lima e tive uma grata surpresa quanto a jogabilidade, o que me levou a fazer uma leitura mais atenta do sistema e entender o por que a experiência de jogar Mork Borg estava sendo tão satisfatória.
Nesse post vou abordar 2 pontos relacionados ao combate que fornecem “soluções” para incômodos clássicos dos jogos OSR comparando com o principal “chassi” OSE/BX.
Eliminando o efeito “erra erra”
Quem já jogou OSE/BX provavelmente já passou pela experiência do efeito “erra erra”, principalmente nos primeiros níveis, em que nem os monstros nem os personagens acertam por rodadas seguidas, e o jogo fica parecendo um luta no escuro.
Isso acontece por que nos primeiros níveis é muito mais fácil aumentar a CA (classe de armadura) que o bônus de acerto, um guerreiro (sem considerar bônus de atributo) com o dinheiro inicial consegue facilmente adquirir uma armadura de placas e um escudo garantido uma CA 17, porém com bônus de ataque +0.
Imaginando esse guerreiro lutando contra um Escorpião Gigante que tem CA 17 e bônus de ataque +3, a chance do guerreiro acertar o escorpião em um ataque é de 20% e do escorpião acertar o guerreiro é de 35%, com a chance maior de ninguém acertar ninguém. Claro que isso é uma simplificação grosseira desconsiderando vários fatores, e que esse efeito se reduz bastante em níveis mais altos, mas na prática o efeito “erra erra” aparece bastante em jogo.
Mork Borg apresenta outra lógica, aqui o jogador rola tanto para atacar quanto para defender contra uma dificuldade padrão 12 e o uso de armaduras não influencia (positivamente) na chance de não ser acertado. Isso gera uma chance de acerto base de 45% sem considerar outros bônus.
Pode parecer uma mudança sutil se imaginarmos saindo de 20% para 45% da chance do personagem acertar, mas quando colocamos esses números no contexto do jogo com rodadas passando e mais de um personagem agindo, a dinâmica do combate muda completamente. Ao jogar Mork Borg na prática o efeito “erra erra” praticamente desaparece junto com a ocorrência do grupo inteiro errando na rodada e sentindo que o jogo está rodando “quadrado”.
Isso não torna então o jogo muito mais mortal? Na verdade não, os sistema “compensa” isso dando uma outra função para as armaduras, já que essas não melhoram a chance de defender, o que nos leva ao próximo ponto.
Uma outra abstração da Classe de Armadura
Outro incômodo pessoal, mas também recorrente na comunidade é a abstração da CA no jogo clássico, em que ao mesmo tempo esse valor representa a chance de “desviar de golpes” e de “defender golpes”. Afinal, ao somar o atributo destreza fica implícito o atributo influenciar em não ser acertado, ao mesmo tempo que armaduras mais pesadas e robustas (como placas) tem CA mais alta, indicando uma capacidade de evitar dano, mesmo acertado.
Entretanto na prática do jogo, e também no texto dos sistemas, tudo vira uma coisa só, o oponente não alcançar a CA em uma jogada de ataque gera um “erro” ou “não acerto”, e temos então uma ficção em que guerreiros “pesados” parecem desviar de golpes com muita facilidade tal como um malabarista. Claro que isso é uma questão conceitual e pode ser reinterpretada de diversas formas.
Em Mork Borg esses dois aspectos são separados em “defesa” e “redução de dano”. Como falei no ponto anterior, os jogadores aqui rodam para defender (ao invés do oponente rodar para acertar) contra uma dificuldade padrão 12 modificada pelo atributo agilidade. Nesse momento, ficcionalmente o personagem está tentando evitar o golpe, personagens mais ágeis serão em média menos acertados.
No momento que o acerto acontece é rolado o dano e reduzido da armadura, em Mork Borg um personagem sem armadura (tier 0) não tem redução, de armadura leve (tier 1) reduz d2 de dano, média (tier 2) reduz d4 de dano e pesada (tier 3) reduz d6 de dano. Entretanto existe o ônus do “peso”, armaduras médias geram uma penalidade de +2 nas rolagens de defesa e armaduras pesadas geram uma penalidade também de +2 para rolagens de defesa e +4 para para outros testes de agilidade.
Na prática um personagem leve e rápido (por exemplo, sem armadura e com bônus em agilidade) tem tendência de ser menos acertado, porém se for receberá mais dano. Um personagem armadurado pesado tem tendência de ser mais acertado, porém recebe menos dano.
Ficcionalmente temos um combate que faz mais sentido e que jogando eu senti de fato o “peso” de estar usando uma armadura em combate, e também torna possível a ficção do personagem ágil que “desvia” dos golpes, quase impossível de emular em sistemas como OSE/BX.
Em termos de jogo, essa mudança combinada com o ponto anterior torna o combate mais interessante na minha experiência, com acertos acontecendo com maior frequência e a abstração de dano e defesa “fazendo sentido” e gerando a sensação das escolhas de equipamento aparecendo também na ficção. E apesar de ter uma rolagem a mais no sistema, isso na minha experiência não deixou o jogo mais lento, pois é uma boa prática o jogador já rolar o dano recebido junto com a redução e só abater o valor, com o mínimo de prática se torna natural e tão fluido quando o sistema padrão.
Por fim, outro efeito dessa mudança é a redução da “morte por um golpe” de personagens de nível 1, que ainda vai acontecer como em qualquer sistema OSR, mas tende a ser menos arbitrária, pois jogadores mais alvejados tendem a ser os mais armadurados que também resistem mais.
Muito além disso
Hoje eu queria discutir esses dois pontos sutis, mas que na minha experiência mudaram drasticamente a jogabilidade e o próprio comportamento do como jogar o jogo, os melhores combates que tive na OSR foram jogando Mork Borg, e eu sempre falo nos papos por aí que Mork Borg na minha opinião é de longe o melhor sistema para aplicar Combate Fu, mas essa discussão fica para outro dia.
Eu sugiro que se você leu e achou minimamente interessante, que teste em mesa, é muito difícil apenas por texto transmitir a sensação de jogabilidade que essas mudanças trazem na prática.
Tem mais uma dúzia de pontos interessantes no sistema que acho que valem ser analisados, comparados e discutidos em relação a como mudam o experiência clássica de jogar OSR, desde a redução dos atributos para apenas 4, a eliminação das salvaguardas, o sistema mais “amortecido” de evolução, a condição de morte, o sistema de magias com teste de conjuração, os pontos de Omen e muitos outros.
Mork Borg foi um jogo que me surpreendeu muito positivamente na mesa e na experiência jogando, o que parecia ser apenas mais um retroclone com uma estética agressiva se mostrou um jogo com mudanças muito inteligentes e principalmente nos pontos mais “quadrados” do D&D BX.
Eu percebo muita resistência ao sistema pelo layout que por vezes dificulta a leitura, nesse caso indico a versão “Bare Bones” que é gratuita e com o layout simples e limpo. Pode ser baixada aqui:
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